Cidade Errante



Luzes incidentais eclipsam as noites lúbricas da cidade, esse entreposto de desejos e temores, que os homens construíram a partir da percepção de que só é possível se encontrar na errância. Errar uma cidade, deixar-se seduzir pelos seus pontos de luz que agonizam na madrugada de roteiros incertos, para encontrar, no avesso das certezas, aquilo que estava segredado em seus monumentos. Sobre a cidade existente, aquela visível quando o sol se impõe à Lua, o manto da noite redesenha com luminescências pontuais lampejos do inconsciente da urbe. A noite entorpece a arquitetura, desacelera os fluxos da cidade e a torna potência de um espaço singular criado a partir das visões dos sonâmbulos, notívagos, poetas e fotógrafos.Mario Batista, nesta sua primeira mostra individual, revela-se como um fotógrafo de cidades intangíveis. Suas imagens se negam a devolver mecanicamente a paisagem. Entre sua aguçada percepção e o gesto fotográfico, a cidade se converte num território de fabulações. Para cada cidade geograficamente instalada, há cidades infinitas e não mapeadas que surgem da fatura entre os reflexos lunares e as luzes artificiais que o fotógrafo agencia no interior de sua retina-câmera.Quando a noite cai, inicia a errância desse fotógrafo peregrino. Não importa em que cenário do mundo ele se encontra, pois a cidade que ele investiga está instalada dentro de sua imaginação e não diante de seus olhos. Seu olhar investiga lumes, segredos à meia luz, monólitos encapsulados em sombra espessa, personagens que com seus passos trôpegos rompem limites, avançam perímetros. Estamos diante de imagens-imaginações que sobressaltam o fotógrafo em suas deambulações. Luzes que sorrateiramente delineiam o destemor de se lançar ao mundo guiado pela percepção aguçada de quem entende a aventura como único modo de vida tangível. Excitar esquinas, caminhar na direção dos mistérios. Rever o temos da escuridão entendendo-a como latência da luz. Assim, ao final de cada jornada sob as estrelas, a cidade se torna cada vez mais a expressão genuína da alma libertária do próprio fotógrafo. Vaguear é preciso.

Eder Chiodetto

Primeira exposição individual 24/08/2021